Uma operação policial deflagrada hoje (20) investiga uma organização criminosa envolvida na invasão de sistemas do governo federal e de Tribunais de Justiça de diversos estados para aplicar o golpe do falso advogado.
Até o início desta tarde, 11 pessoas foram presas na operação realizada nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Norte. Para a ação, foram expedidos 66 procedimentos judiciais entre mandados de busca e apreensão, de prisão e de bloqueio de conta.
As investigações começaram há cerca de cinco meses na Delegacia de Combate a Estelionatos de Joinville, em Santa Catarina, que descobriu que pessoas físicas e jurídicas estariam utilizando a identidade de advogados catarinenses e também dados de processos judiciais para enganar vítimas visando obter lucro com o suposto serviço prestado.
Facilidade
De acordo com Artur José Dian, delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, esses falsos advogados entravam em processos – sejam por meio de fontes abertas ou por meio da invasão de sistemas do judiciário – e conseguiam ter acesso a trechos de processos ou a processos inteiros. Por meio desses processos, eles conseguiam dados das vítimas e se comunicavam com elas se passando por falsos advogados, pedindo que elas depositassem uma determinada quantia para dar andamento no processo.
“Em síntese, essa investigação começou há cerca de quatro ou cinco meses a partir da percepção de boletins de ocorrências na cidade de Joinville de que criminosos estavam simulando serem advogados, entrando em contato com os clientes e cobrando valores a título de custas processuais para liberar supostos alvarás judiciais que essas pessoas teriam e fazem jus na justiça”, explicou Rafaello Ross, delegado regional da Polícia Civil de Joinville.
Esses falsos advogados, explicou Ross, “inicialmente utilizavam fontes abertas para angariar informações e, num segundo momento, entravam no próprio sistema judicial e captavam fontes sensíveis de informações, dados das vítimas e dados do processo”. De posse desses dados, eles entravam em contato com a vítima, se passando por advogados do processo.
Vítima
O advogado Guilherme Aquino Reusing Pereira, vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Joinville, foi um dos que teve seus dados utilizados pelos criminosos.
“Há vítimas que são clientes de nossos escritórios. Há pessoas que se passam pela gente como advogados. De forma sintetizada, é um golpe onde o meliante faz contato com o cidadão, que é parte do processo, se passando por um advogado que é parte daquele processo. Ao fazer esse contato, ele vem com o argumento de que há uma custa a ser paga para ser expedido um alvará judicial ou para que o processo tramite. E, nesse argumento, talvez na ingenuidade ou na ansiedade de querer o andamento processual de forma mais célere, o cliente acaba antecipando essas custas, que não são custas, mas um golpe”, explicou Pereira.
Uma de suas clientes, contou Pereira, chegou a depositar R$ 20 mil para os criminosos, acreditando erroneamente estar falando com ele. Os criminosos utilizaram uma foto do advogado e mandaram mensagens para a cliente por meio do WhatsApp se fazendo passar por ele, pedindo que ela depositasse um dinheiro referente a “custas do processo”. “Eu tive esse exemplo no meu escritório. Se passaram tanto por mim quanto por minha sócia”, contou ele.
A operação
A operação de hoje contou com a participação do Departamento de Inteligência da Polícia Civil de São Paulo (Dipol) e de representantes do Poder Judiciário e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Só no território paulista foram cumpridos 12 mandados de busca e cinco de prisão nas cidades de São Paulo, Guarulhos, Itaquaquecetuba e São Vicente.
Em entrevista coletiva concedida na manhã de hoje (20) na capital paulista, os delegados que participaram da operação informaram que ainda não é possível mensurar a quantidade de vítimas ou quanto foi movimentado pelos criminosos.
Segundo o delegado Vinicius Ferreira, da Delegacia de Combate a Estelionatos de Joinville, e que presidiu as investigações, os valores depositados pelas vítimas variavam. Mas houve clientes que chegaram a depositar até R$ 100 mil para os criminosos.
“Tivemos outros casos, que ainda estamos avaliando, mas que podem ter chegado a R$ 500 mil e teve um caso específico um pouco mais alto. Mas, em geral, os valores variavam entre R$ 30 mil e R$ 50 mil, mas depende muito do valor da causa”, explicou.
“Realmente estava compensando para essa rede criminosa manter esse tipo de atividade. Por isso, acreditamos que, por todo o país, nós vamos identificar vítimas dessa rede criminosa específica desarticulada hoje”, acrescentou Ross.
Dicas para não cair em golpes
Para não cair em golpes como esse, alertaram os delegados, é preciso que a população tenha cautela. “Tem que ter um certo cuidado porque quando ela [a vítima] recebe essa ligação, com uma série de informações verídicas, ela tem que estar atenta ao processo do qual participa. Ela precisa fazer contato com advogado, que é o [legítimo] advogado da causa e sempre desconfiar de grandes benefícios”, disse o delegado-geral da Polícia de São Paulo.
“É preciso ter a cautela necessária para poder contestar qualquer benefício desses que chegam até você de forma passiva”, argumentou.
E finalizou: “o importante é verificar os contatos oficiais de cada escritório. Nem todo mundo troca de telefone o tempo todo. É preciso sempre ter dúvidas quando aparece um novo contato e com DDD diferente. Se tiver dúvidas, procure os números do Cadastro Nacional dos Advogados, que é o CNA. Todo advogado tem seus números geralmente publicados no CNA. E esse é um número de confiança”.
Por meio de nota, a Ordem dos Advogados do Brasil -seção São Paulo (OAB SP) – informa que – desde 2024 – tem atuado no combate ao golpe do falso advogado. “Desde 2024, a entidade recebeu mais de 3 mil denúncias de casos em que criminosos se passaram por advogados para solicitar pagamentos indevidos, como depósitos judiciais e custas processuais, principalmente via PIX”, informou o órgão.
Como evitar prejuízos
Para enfrentar esse golpe, a OAB SP criou uma cartilha, que pode ser consultada pela população com dicas sobre como proceder para evitar cair no golpe ou o que fazer se for vítima de um.
A OAB SP também informou ter criado uma força-tarefa para reunir provas, atender a advocacia e orientar a população e clientes sobre esse crime.
“A OAB SP também reforça a orientação para que advogados e vítimas registrem boletins de ocorrência imediatamente, informando todos os detalhes do golpe, como números de telefone envolvidos (vítima e golpista) e tentativas de pagamento. Com o avanço das investigações e a intensificação das medidas preventivas, a OAB paulista reafirma seu compromisso na proteção da advocacia e da sociedade contra esse tipo de crime”, finalizou, em nota.