
Jair Viana
As descobertas neurocientíficas colocam em xeque a noção tradicional de livre-arbítrio. Estudos sobre o timing das sinapses revelam que a atividade cerebral que precede uma decisão consciente ocorre frações de segundo antes de termos a percepção de “escolher”. Isso sugere que o cérebro já iniciou o processo decisório antes do “eu” consciente sequer ser informado, indicando que a decisão pode não ser originada em nossa vontade consciente.
Essa ideia se assemelha ao conceito teológico reformado de uma “vontade cativa”. Assim como a doutrina calvinista afirma que nossa vontade natural está escravizada ao pecado, a neurociência pode sugerir que ela está cativa aos processos neurais inconscientes. O “eu” que toma a decisão consciente parece mais um espectador que ratifica uma ação já iniciada em um nível pré-consciente, um “eu” neural que existe antes do “eu” social.
A noção de um “eu antes de mim” surge então como uma entidade biológica e inconsciente. Nossas sinapses, moldadas por genética, experiências passadas e estímulos ambientais, criam um substrato neural que predispõe e, em grande medida, determina nossas escolhas. A consciência, nesse contexto, não seria a autora da decisão, mas sim a narrativa que construímos para explicar ações já determinadas por essa rede neural.
Portanto, tanto a neurociência quanto a teologia reformada, de formas distintas, convergem para um questionamento profundo da autonomia da vontade. Se nossas escolhas são fruto de uma cadeia causal neural inconsciente ou de um desígnio divino, o conceito de um livre-arbítrio absoluto e autodeterminado parece se tornar uma ilusão confortável, mas filosoficamente insustentável.

