
A COP-30 mal começou e já carrega um enigma que poucos ousam enfrentar. Belém amanheceu com uma escultura que parece saída de um presságio. Uma criatura colossal, meio dragão e meio onça, segurando o planeta como se tivesse autoridade absoluta. Presente diplomático da artista chinesa Huang Jian, a peça domina a paisagem e levanta interpretações que ultrapassam o campo da arte.
Antes que a cidade assimilasse aquela figura, outra imagem tomou conta das redes. Uma representação dourada de uma mulher sentada sobre uma vitória-régia, carregando uma criança indígena e acompanhada por um filhote de onça. A chamada Mãe Brasil. Uma obra que não existe no mundo físico, sem autoria confirmada, mas tão simbólica que muitos acreditaram que fosse parte oficial da conferência.
O contraste entre as duas imagens é evidente. De um lado, o discurso do domínio. Do outro, o da proteção. Uma figura simboliza força e governo. A outra evoca origem e cuidado. São narrativas que disputam espaço em uma camada profunda do imaginário amazônico, onde política e espiritualidade se encontram.
A escultura híbrida transmite controle e poder. Nada nela sugere acolhimento. O gesto de segurar o globo remete a autoridade e posse. Já a Mãe Brasil aponta para outro caminho. É a floresta vista como ventre. É ancestralidade. É o chamado para preservar, não para dominar.
E então, no dia seguinte ao impacto dessas imagens, a realidade impõe um novo capítulo.
Um incêndio atinge a Zona Azul, justamente o centro das negociações internacionais da COP-30. O pavilhão é evacuado às pressas. A energia é cortada. As reuniões são interrompidas. Não há feridos, mas o fato de o fogo surgir no coração do evento reacende antigas preocupações.
O que antes parecia apenas crítica se transforma em constatação.
Essa é a falta de estrutura à qual o chanceler alemão se referiu.
O incêndio deixa de ser um episódio isolado. Torna-se um sinal que confirma um alerta que o mundo já havia emitido. A conferência que discute o futuro da floresta se vê, subitamente, tomada pelo fogo que ninguém previu, mas que agora todos precisam encarar.
Ontem, o dragão segurava o mundo e a mãe carregava a vida. Hoje, o fogo surge como o terceiro personagem de uma história que ninguém escreveu, mas que se impõe. Não nasceu como símbolo diplomático. Não foi planejado. É o único elemento que irrompe espontaneamente e que, por isso mesmo, fala mais alto.
Se as duas imagens anteriores disputam interpretações, o incêndio revela a verdade crua. Enquanto se discute quem deve governar a Amazônia, a própria floresta parece responder com um aviso. A mensagem não é estética. É direta. A Amazônia não é apenas pauta. É sinal.
Quando unimos o monstro, a mãe e o fogo, o cenário se completa. Não é somente o centro do planeta que está em jogo. É o centro de uma disputa de sentidos, interesses e destinos.
E diante desse cenário, surge a pergunta que Belém parece fazer ao mundo: quem realmente tem autoridade para guardar a floresta? O poder que impõe, o cuidado que sustenta ou a chama que expõe o que ninguém quer ver?
Agenor Duque


