
A sessão de interrogatório do ex-presidente Jair Bolsonaro na Primeira Turma do STF nesta terça-feira (10) revelou uma contradição crucial em sua defesa. Ao responder sobre a minuta que previa medidas excepcionais para anular as eleições de 2022, Bolsonaro afirmou que “o assunto não foi levado adiante”. Essa expressão, aparentemente inocente, carrega um significado jurídico profundo: ao usá-la, o ex-presidente tacitamente admitiu que o tema foi discutido, mesmo que alegue não ter sido implementado. A declaração contradiz o núcleo de sua defesa, que nega qualquer envolvimento em planejamentos antidemocráticos .
Se o assunto não avançou, como justificar a elaboração de minutas detalhadas de decretos de estado de defesa e sítio, além da apresentação desses documentos a comandantes militares? Segundo delações e depoimentos, Bolsonaro não apenas recebeu a minuta inicial das mãos do assessor Filipe Martins, mas solicitou alterações no texto, incluindo a sugestão de focar a prisão no ministro Alexandre de Moraes. Mais revelador ainda foi o envio da minuta ao general Estevam Theophilo, com uma mensagem de Mauro Cid indicando que as modificações dependiam da assinatura presidencial: “Ele quer fazer… Desde que o Pr assine. Essas ações demonstram um esforço concreto para operacionalizar o plano, não meras especulações teóricas.
A tentativa de minimizar a gravidade do tema permeou todo o depoimento. Além da frase sobre o assunto “não ter sido levado adiante”, Bolsonaro recorreu a justificativas como a “informalidade” das reuniões pós-eleição e brincadeiras inoportunas, como o convite a Moraes para ser seu vice em 2026 – gesto interpretado como tentativa de banalizar o contexto. Pediu desculpas pelas acusações infundadas de que ministros do STF teriam recebido propina, classificando-as como “desabafo sem indícios”, mas não explicou por que, como chefe de Estado, promoveria tal narrativa. A estratégia de relativização, porém, esbarra em evidências robustas: registros de entrada de militares no Palácio da Alvorada coincidem com as datas das reuniões descritas nas investigações.
A contradição central – admitir a discussão mas negar sua materialização – tem implicações jurídicas diretas. A Procuradoria-Geral da República (PGR) sustenta que o crime de organização criminosa se configura pelo planejamento e divisão de tarefas, independentemente da execução. Ao reconhecer que o tema foi debatido com comandantes, mesmo que alegue abandono posterior, Bolsonaro enfraquece o argumento da inexistência de intenção golpista. Como observado na denúncia, a simples existência de minutas com medidas inconstitucionais, ajustadas por um presidente em exercício e compartilhadas com setores das Forças Armadas, já configura risco institucional . A frase casual pode, assim, tornar-se peça-chave para demonstrar que o “não avanço” do plano foi resultado do fracasso na adesão militar, não da ausência de iniciativa.
A pergunta que não quer calar é: O QUE JUSTIFICAVA AS MEDIDAS QUE SE PRETENDIA ADOTAR NO BRASIL EM DEZEMBRO DE 2022?