Tancredo também desejava uma Constituição conservadora?
Tancredo era um político conciliador e, na melhor das hipóteses, de centro. A ditadura militar só permitiu que ele vencesse no Colégio Eleitoral por causa disso, o que dava aos generais a segurança de que não haveria revanchismo contra eles no regime democrático. Aparentemente, considerando as pistas e evidências que localizamos nas nossas pesquisas, Tancredo nunca cogitou convocar uma Constituinte originária, exclusiva e sem anteprojeto. Uma das pistas foi a encomenda de um esboço de Constituição que ele teria feito ao jurista Clóvis Ramalhete, que na ditadura havia sido consultor-geral da República e ministro do Supremo Tribunal Federal.
Já os termos da PEC da convocação da Constituinte assinada por Sarney foram redigidos por Célio Borja, ex-integrante da UDN que havia sido presidente da Câmara dos Deputados na ditadura, e arrematados por Marco Maciel, o último governador de Pernambuco indicado pelo regime militar, antes da volta das eleições diretas para governador em 1982.
Vê-se, portanto, que o desenho da Constituinte foi todo arquitetado dentro do regime. E a morte de Tancredo não abalou a tranquilidade dos militares, já que Sarney era uma figura íntima do establishment do regime autoritário.
O deputado Ulysses Guimarães, presidente do PMDB e da Assembleia Nacional Constituinte e ferrenho adversário da ditadura, não agiu para evitar que a Constituição saísse ao gosto das forças do regime militar?
Na comissão mista instalada pelo Congresso Nacional para analisar e votar a PEC de convocação da Constituinte, seu relator foi o deputado Flávio Bierrenbach [PMDB-SP], político ativo na luta pela redemocratização. Ele redigiu um substitutivo prevendo uma Constituinte originária, exclusiva e sem anteprojeto. Na última audiência pública da comissão mista, num gesto teatral, ele levou uma mala contendo 70 mil cartas e telegramas de todo o Brasil e as despejou diante dos constituintes. Eram mensagens que mostravam que a população desejava uma Constituinte com essas características.
Aos 45 minutos do segundo tempo, porém, Ulysses destituiu Bierrenbach, e entregou a relatoria ao deputado Valmor Giavarina [PMDB-PR], que já tinha um parecer pronto estabelecendo uma Constituinte congressual, e não exclusiva — exatamente de acordo com o desejo do governo e dos conservadores.
E por que Ulysses agiu dessa forma? Aparentemente, foi por força da Aliança Democrática, a sociedade política composta pelo PMDB de Ulysses e pelo PFL, partido de perfil conservador formado por dissidentes do PDS [partido de sustentação da ditadura], para formar a chapa Tancredo-Sarney. Como presidente do PMDB e da Constituinte, ele agiu não apenas conforme o desejo das diferentes correntes de seu próprio partido, mas também de acordo com o desejo do PFL, que não queria uma Constituição progressista.


