A influência de Jair Bolsonaro sobre a maior parte dos evangélicos e devoção desse público a ele me leva a fazer uma reflexão sobre o olhar do psicanalista francês Jacques Lacan, que revolucionou a psicanálise de Freud sob a estrutura do desejo. Ele propôs a teoria dos três registros: o Simbólico, o Imaginário e o Real.
Sob a ótica do Simbólico, Bolsonaro encarna o que Lacan chamava de “o Nome-do-Pai”, uma função de autoridade que organiza a lei e a ordem. Como disse Lacan: “É no Nome-do-Pai que devemos reconhecer a função simbólica”. O líder se apresenta como aquele que restaura esta função patriarcal, capturando o imaginário dos evangélicos por meio de uma lei que substitui a ética cristã pela ordem autoritária. Eles reverenciam a hierarquia e se submetem sem dificuldade.
No registro do Imaginário, temos o que Lacan tratava como a “relação dupla” do estádio do espelho, em que o sujeito se identifica com uma imagem ideal. O líder se torna o “Mito” — essa imagem idealizada que Lacan descrevia como “a função do eu [moi]”. Por meio desta identificação especular, os fiéis projetam no líder suas aspirações de poder e força, criando um laço que suplanta a análise racional de seus atos concretos. Bolsonaro é a voz fascista que esse nicho precisava para se colocar na política.
Quanto ao Real, a contradição fundamental entre os princípios cristãos e a conduta de Jair Bolsonaro manifesta o que Lacan chamava de “o encontro com o impossível”. Como ele afirmou: “O real é o que não cessa de não se escrever”. Os fiéis defendem ferozmente esta dissonância por meio do que Lacan descrevia como “recalque”, mecanismo em que “o que foi recusado no simbólico reaparece no real”. A adesão ao líder persiste exatamente porque evita o trauma deste real insuportável. Daria para buscar em Michel Foucault mais algumas explicações para essa “fé” de boa parte dos evangélicos bolsonaristas.