
A recente reação de senadores e de setores da mídia à decisão do ministro Gilmar Mendes, que restringe ao procurador-geral da República a iniciativa de processos de impeachment contra ministros do STF, é um espetáculo revelador de baixeza política e de um desespero inconfessável. A indignação não passa de uma cortina de fumaça para ocultar a verdade nua e crua: o que está em jogo não é a defesa de uma lei de 1950, mas a perda de um instrumento de intimidação aos magistrados da Corte Suprema. É, de fato, enojante.
A realidade que o ministro Gilmar Mendes busca corrigir é perversa e amplamente conhecida nos bastidores do poder. Sob o regime atual, qualquer cidadão pode ser instrumentalizado como um fantoche processual por um parlamentar. Basta um deputado ou senador acolher – muitas vezes por razões as mais absurdas, frutos de intriga, vingança ou negociação escusa – a denúncia de um indivíduo para que se instaure um processo capaz de afastar
um ministro da Suprema Corte. Transforma-se a mais grave acusação contra uma autoridade do Estado em moeda de troca política, em arma de assédio institucional. A pergunta que se impõe não é retórica, mas factual: os senadores e senadoras são confiáveis para serem os únicos porteiros desse mecanismo? A histérica reação a uma mera moderação do processo responde, com eloquência, que não.
O que vemos é o pânico de uma casta que vê escapar das mãos um poder desmedido. A ideia de que apenas o Procurador-Geral da República, um jurista de notório saber, pode dar início a tal processo com base em fundamentação jurídica sólida é um antídoto necessário contra a arbitrariedade. Retira do âmbito do capricho político o que deve residir no campo do direito. A gritaria dos senadores expõe, sem disfarce, que muitos não querem justiça ou controle republicano; querem manter o Judiciário, em especial o STF, como refém de seus interesses momentâneos, de suas conveniências eleitorais, de suas rixas pessoais.
É preciso lembrar que estamos vivendo um momento de anomalias políticas. O odor fétido da tentativa de golpe ainda incomoda. Os golpistas insistem na trama.
A decisão de Gilmar Mendes, diferentemente do que se diz, não faz a blindagem do STF, mas surge como mais um escudo em defesa da democracia. Imagine se, em 2022, em plena articulação do golpe, tivéssemos o Senado composto como está. Por certo o STF não teria a composição de hoje.
Portanto, longe de ser um ataque à democracia, a decisão é uma salvaguarda da seriedade das instituições. Protege os ministros de assédio político barato, mas, mais importante, protege a Nação de ver seu Poder Judiciário paralisado e ameaçado por chantagens disfarçadas de processo legal. O verdadeiro escândalo não é a limitação proposta, mas o fato de um sistema tão vulnerável ao abuso ter vigorado por tanto tempo. O desespero dos senadores é, no fundo, a mais clara confissão de que a medida acerta em cheio seu objetivo: devolver o impeachment ao seu caráter excepcionalíssimo e jurídico, arrancando-o das garras da politicagem mais rasteira. É um passo, ainda que tardio, para amadurecermos como República.

